
A aposentadoria dos marítimos no âmbito do Regime Geral de Previdência Social antes e depois da Emenda Constitucional no. 103/2019

A legislação previdenciária sempre procurou conferir tratamento diferenciado para determinadas classes de trabalhadores/categoria profissional ou expostos a agentes prejudiciais à saúde.
Em relação aos marítimos (transportes marítimos, fluvial e lacustre), os anexos dos Decretos 53.831/64 e 83.080/79, asseguravam a concessão de aposentadoria especial aos 25 anos de trabalho, independente da exposição a agentes prejudiciais à saúde.
Contudo, com a Lei 9.032/95 passou-se a exigir que referidos profissionais comprovassem, por meio de formulário específico, a exposição a agentes nocivos à saúde. Ou seja, até 28/04/1995, os marítimos tinham direito à aposentadoria especial ou contagem do tempo diferenciado, independente da exposição a agentes nocivos, operando o enquadramento por categoria profissional.
Por sua vez, os Decretos 2.172/97 e 3.048/99, em seus anexos IV, disciplinaram que os trabalhadores deveriam comprovar a exposição a agentes nocivos e/ou prejudiciais à saúde.
Não raras vezes, os marítimos permanecem expostos a ruídos elevados em razão dos motores da embarcação e das praças de máquinas, a agentes químicos eventualmente utilizados na manutenção das embarcações, sem prejuízo da situação de periculosidade em razão da proximidade a líquidos inflamáveis, etc.
Assim, os marítimos devem comprovar a exposição a agentes prejudiciais à saúde e/ou integridade física por meio de formulários ou PPP (perfil profissiográfico previdenciário), preenchidos com base em laudos técnicos ou por meio de perícia técnica/judicial.
Portanto, os marítimos que comprovassem o exercício de atividade ou profissão enquadrável por categoria profissional até 28/04/1995 e exposição a agentes nocivos a partir de então, com base em formulários, PPP e/ou laudos técnicos/periciais, teriam direito à concessão de aposentadoria especial aos 25 anos de trabalho, na forma do art. 57 da Lei 8.213/91.
Além disso, sem a intenção de esgotar o tema, os marítimos, em tese, poderiam computar, cumuladamente com tempo especial, o ano marítimo, segundo o qual 255 dias de embarque equivalem a um ano de atividade em terra. No entanto, em razão de várias particularidades em torno do tema, notadamente a possibilidade de cumular com tempo especial, bem como se é possível computá-lo apenas até a E.C. 20/98 ou até a E.C. 103/2019, deixamos para aprofundamento em outro artigo.
Em razão do tratamento diferenciado destinado a referidos trabalhadores, com redução do tempo, independente se mulher ou homem, a legislação previdenciária não impunha a exigência de idade mínima. Além disso, o cálculo da aposentadoria especial sempre foi mais favorável, por não incidir o fator previdenciário. Ou seja, a aposentadoria corresponderia a 100% (coeficiente) do salário de benefício (média aritmética simples de 80% dos maiores salários de contribuição desde 07/1994).
Com a E.C. 103/2019, popularmente conhecida como “Reforma da Previdência”, a concessão de aposentadorias no âmbito do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) passou a necessitar de idade mínima.
A E.C. 103/2019 preservou, contudo, o direito adquirido daqueles que até a sua entrada em vigor haviam implementado os requisitos para eventual aposentadoria, ainda que não tenham formalmente pleiteado a concessão do benefício.
Com a finalidade de, em tese, preservar os direitos expectados e/ou expectativas de direito, a E.C. 103/2019 estabeleceu algumas regras de transição. As regras transitórias, em linhas gerais, visam dar proteção social adequada para os trabalhadores que não possuíam direito adquirido à aposentadoria, mas estariam em vias de implementação.
Em nosso entender, as regras de transição trazidas pela E.C. 103/2019 foram demasiadamente duras e anti-isonômicas, não respeitando de forma adequada os direitos expectados ou em vias de implementação.
De qualquer forma, aos marítimos que não implementavam os requisitos para aposentadoria especial até 13/11/2019, podem, eventualmente, se enquadrar em regras de transição.
O art. 19, I, da E.C. 103/2019 assevera que:
Art. 19. Até que lei disponha sobre o tempo de contribuição a que se refere o inciso I do § 7º do art. 201 da Constituição Federal, o segurado filiado ao Regime Geral de Previdência Social após a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional será aposentado aos 62 (sessenta e dois) anos de idade, se mulher, 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, com 15 (quinze) anos de tempo de contribuição, se mulher, e 20(vinte) anos de tempo de contribuição, se homem.
- 1º Até que lei complementar disponha sobre a redução de idade mínima ou tempo de contribuição prevista nos §§ 1º e 8º do art. 201 da Constituição Federal, será concedida aposentadoria:
I – aos segurados que comprovem o exercício de atividades com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação, durante, no mínimo, 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, nos termos do disposto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, quando cumpridos:
- a) 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, quando se tratar de atividade especial de 15 (quinze) anos de contribuição;
- b) 58 (cinquenta e oito) anos de idade, quando se tratar de atividade especial de 20 (vinte) anos de contribuição; ou
- c) 60 (sessenta) anos de idade, quando se tratar de atividade especial de 25 (vinte e cinco) anos de contribuição;
Também o art. 21 da E.C. 103/2019 dispõe que:
Art. 21. O segurado ou o servidor público federal que se tenha filiado ao Regime Geral de Previdência Social ou ingressado no serviço público em cargo efetivo até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional cujas atividades tenham sido exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação, desde que cumpridos, no caso do servidor, o tempo mínimo de 20 (vinte) anos de efetivo exercício no serviço público e de 5 (cinco) anos no cargo efetivo em que for concedida a aposentadoria, na forma dos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, poderão aposentar-se quando o total da soma resultante da sua idade e do tempo de contribuição e o tempo de efetiva exposição forem, respectivamente, de:
I – 66 (sessenta e seis) pontos e 15 (quinze) anos de efetiva exposição;
II – 76 (setenta e seis) pontos e 20 (vinte) anos de efetiva exposição; e
III – 86 (oitenta e seis) pontos e 25 (vinte e cinco) anos de efetiva exposição.
- 1º A idade e o tempo de contribuição serão apurados em dias para o cálculo do somatório de pontos a que se refere o caput. § 2º O valor da aposentadoria de que trata este artigo será apurado na forma da lei.
A mudança foi significativa. Antes não se exigia idade mínima para aposentadoria especial. Atualmente se exige idade mínima ou implementação da sistemática de pontos (consistente em soma da idade e do tempo de contribuição).
Contudo, em relação a sistemática de pontos, para atingir os requisitos do art. 21, III, da E.C. 103/2019, o trabalhador pode, eventualmente, somar atividades comuns (e não especiais). Ou seja, o marítimo que possui 8 anos de atividade comum (não considerado especial), 25 anos de atividade especial (com exposição a ruídos elevados ou a agentes químicos, por exemplo) e 53 anos de idade, atinge os 86 pontos.
Portanto, embora a E.C. 103/2019 tenha promovido radicais alterações na sistemática da aposentadoria especial dos marítimos, com instituição de idade mínima ou implemento da sistemática de pontos, o legislador manteve, suavemente, o tratamento diferenciado preconizado pelo Texto Constitucional em relação as demais classes. Há se que ponderar, contudo, a depender do tempo de serviço/contribuição que referidos profissionais tenham, eventualmente, podem se enquadrar em outras regras de transição trazida pela E.C. 103/2019, sugerindo a contratação de assessoria especializada para análise das particularidades da situação e formulação de orientação/parecer adequado para melhor momento para aposentação.
Por fim, tendo em conta que o beneficiário de aposentadoria especial não pode retornar ou manter-se em atividade especial após a concessão da aposentadoria especial, sugerimos a leitura de outro artigo publicado no F5 Jurídico em torno do tema.[1]
[1] https://f5juridico.com/as-primeiras-impressoes-do-tema-709-do-stf-e-as-respectivas-consequencias-juridicas-o-beneficiario-de-aposentadoria-especial-deve-se-afastar-de-qualquer-trabalho/
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